Quem tem boca vai à Roma

Padre Marcelo Tenório

Estamos às vésperas de um encontro de Mons. Fellay com o Vaticano, no qual é possível que seja tratada a questão da FSSPX e sua posição na Igreja, além da resultante sobre os colóquios doutrinários acerca do Vaticano II. O encontro acontecerá no próprio dia 14 de setembro, Exaltação da Santa Cruz, data memorável por ter sido neste dia a publicação do Summorum Pontificum, em 2007.

Pois bem. Sobre tal evento, como não poderia ser diferente, Mons. Williamson, um dos 4 bispos da Fraternidade, conhecido por falar o que lhe vem “à telha”, pronunciou-se, mais uma vez, de forma pessimista, contra acordos e diálogos com as autoridades romanas, chegando a prever situações inusitadas como, por exemplo, uma cláusula na fórmula do acordo onde estariam contidas as artimanhas do Vaticano para sufocar a ação da FSSPX, estabelecendo para o futuro que os bispos e superiores fossem escolhidos por uma comissão mista composta de membros da FSSPX e romanos, mais romanos que “piodecianos”... Onde estaria esta condição, em que parágrafo, o bispo não sabe precisar em sua visão profética, mas acha ele que em algum lugar do acordo e em letras minúsculas.

O fato é que D. Williamson, por ser sempre contra uma comunhão com Roma, antes de qualquer coisa, já se opõe a tudo e a tudo observa com plena desconfiança.

“... Em todo caso, é preciso estar nessas disposições e não numa disposição de ruptura nem numa disposição de oposição por oposição, de oposição à Igreja, por nada desse mundo.” (Dom Marcel Lefebvre – Écône, 3/3/1977 – Conf. DICI n. 7, 11/5/2201 - pag. 17-19)

De fato, a FSSPX se coloca em posição bem confortável: apoiando-se no chamado “estado de necessidade”, entra e sai em qualquer diocese, sem ao menos ter que informar ao ordinariato local sobre sua presença, até mesmo onde não existe o real estado de necessidade. Mas, se não se tem uma necessidade, então cria-se, já que sem ela perde a sua “liberdade” de entradas e saídas.

Na minha adolescência conheci Mons. Lefebvre, através de seus livros, pronunciamentos, aparecimento na televisão. Todos o conheciam como “O bispo rebelde”, todavia bastava chegar perto do Monsenhor para se perceber três coisas extremamente importantes:
1. seu amor pela Igreja; 2. sua luta contra a apostasia (em suas raízes); e 3. um profundo desejo de comunhão com Pedro. De uma firmeza imensa em suas cartas ao Papa, colocava-se, mas sempre na submissão e na obediência de Fé. Nunca mostrou-se contra a tudo que era romano, muito pelo contrário, contrariava-se por toda essa situação e dizia aos seus filhos que não deveriam, jamais, se acostumarem com tudo aquilo. A mesma postura admirável encontramos em D. Castro Mayer. Em ambos, nada de retraimento, de isolamento, de recusa a tudo e a todos do lado do Papa.

O que percebemos hoje na FSSPX é justamente o oposto. Há um espírito forte de ruptura em alguns membros, e esse “espírito” se expressa nos mais variados pronunciamentos e divagações teológicas que vão desde a questão da instituição ilícita de “Tribunais Eclesiásticos” (a FSSPX os chama de “Comissão Canônica”) – que agem paralelamente aos Tribunais Oficiais da Igreja, inclusive em 3ª. Instância (esta exclusiva à Rota Roma), portanto usurpando poderes exclusivos ao Papa – até ao delirante pensamento de uma eclesiovacância, presente na questão das “re-ordenações sob condição”.

Quanto à primeira divagação, funciona mais ou menos assim: “Em Roma só há modernistas, logo também a Sacra Rota está cheia deles. E se está cheia deles, logo seus veredictos são no mínimo duvidosos, criemos, então, o nosso Tribunal, com nossos juízes e juízos retos e católicos”. Imaginem se isso fosse imitado pela sociedade civil diante dos nossos tribunais...

Quanto ao segundo ponto, baseia-se na dúvida sobre a validade das ordenações no novo rito, sendo assim – e só assim – seria “válida” a afirmação, tão terrível quanto absurda, de Mons. Williamson, de que o volante da Igreja estaria na FSSPX e não mais em Roma.

Em todo caso, há também a questão das “duas Romas”: a Fiel e a modernista; a uma se adere de coração, a outra se recusa veementemente. Ora, sobre isso bem falou o padre Michel Simoulin:

“As expressões "duas Romas", "duas Igrejas", só são justas dentro dos limites da analogia: se lhes força o sentido, podem se tornar fonte de confusões e gerar um maniqueísmo, no qual se perde o sentido da Igreja, a fé na sua divindade e o simples senso do sobrenatural.” (Pe. Michel Simoulin, superior do Distrito da Itália, da Fraternidade São Pio X, artigo "Na crise da Igreja, um pouco de romanidade verdadeira", in Communicantes, maio de 2001)

Vele a pena ler outras pérolas vindas dos pronunciamentos dos bispos da Fraternidade. Vejamos:

“A FSSPX é o coração da Igreja, seu pulso, seu oxigênio, seu remédio diário. Quem nessa vida não toma remédio?” (Mons. Tissier de Malerrais)

“A crise que hoje em dia estamos vivenciando um dia será tema filosófico nas universidades, e claro, nós como redentores, sem dúvidas” (Mons. Alfonso de Galarreta)

“... A Fraternidade está no volante, e qualquer comportamento, forma, tamanho ou tipo de negociação que permitisse a essa Roma tomar novamente o volante [sem se converter] seria equivalente a uma traição à Verdade. Naturalmente que, a partir do momento em que Roma retornasse à Verdade, Roma estaria de volta no volante...” (Mons. Williamson)

Essas posturas anti-romanas influenciaram muitos na FSSPX, que hoje percebe-se rachada ao meio entre aqueles que querem o acordo e os que recusam qualquer diálogo. Resta saber se, no caso de um possível acordo firmado por Mons. Fellay, os seus membros e os fiéis obedecerão ao seu superior geral. Em suma: teria Mons. Fellay a “boca” de sua instituição, pela qual falará, argumentará e decidirá? Essa “boca”, quase que “de ouro”, terá sua autoridade firmada pelos ecos ressonantes de sua palavra? Por sua “boca” fortificará mais a FSSPX em seu enrijecimento quanto a Roma, ou sua voz apaziguará todos os ânimos que lhe são contrários, todos os ventos que lhe são adversos? Como Superior Geral, ele terá uma duríssima missão: a comunhão com Roma e a comunhão com os seus.

Não era da vontade de D. Lefebvre que os bispos fossem superiores da Fraternidade. Eles existiam apenas para manter os sacramentos e, sobretudo, a missa. O Arcebispo Emérito de Tulle não queria que os bispos tivessem função de governo, justamente para não evidenciar uma jurisdição paralela que acarretaria claramente um cisma, por isso escolheu, anos antes, o padre alemão F. Schmidberger, para ser Superior Geral da FSSPX.

Vejamos o que escreveu Dom Gèrald, antes das Sagrações de Écône e publicado no site da FSSPX:

“Notai bem, trata-se duma verdadeira sagração episcopal conferindo todos os poderes de ordem e de jurisdição. Mas o bispo assim consagrado usaria tão somente o seu poder de ordem, limitando-se a ordenar sacerdotes e a confirmar crianças. Sem "missão canônica", ele não pode exercer qualquer poder de jurisdição particular. Consagrado sem a permissão do papa, ele se absterá de tornar-se o pastor duma diocese paralela; recusar-se-á, sob pena de tornar-se cismático, constituir-se chefe duma outra igreja. Não há senão uma só Igreja católica apostólica romana. Por nada do mundo, em consequência, ele usurpará uma jurisdição como fizeram os "ortodoxos" cismáticos.”

Ele mesmo, D. Marcel Lefebvre, declarou, à época, que os bispos da FSSPX existiam apenas para manter os Sacramentos e a Missa, e não tinham nenhuma jurisdição, de forma que, passando a necessidade, eles, os bispos, deveriam depositar aos pés do Vigário de Cristo o episcopado recebido.

Mas vieram os “tribunais” instaurados pela própria Fraternidade. Embora alguns padres da FSSPX afirmem que a ideia teria partido do próprio D. Lefebvre (ele teria cogitado criar uma “comissão canônica” para “deliberar sobre casos complicados surgidos no âmbito da Tradição”), a existência dos mesmos só veio a público anos após a morte do fundador da Fraternidade, mais precisamente algum tempo depois do Capítulo Geral de 1994. Seria, portanto, estranho supor que o mesmo D. Lefebvre que afirmava que seus Bispos não teriam qualquer jurisdição, caísse em contradição logo em seguida, propondo uma comissão que, ao “emitir sentenças” em vez de se limitar a “consultas e pareceres”, ainda que “só em analogia” aos Tribunais legítimos, automaticamente conferisse algum “caráter jurisdicional” a algum dos Bispos ou mesmo padre membro da FSSPX...

Também alguns padres outrora pertencentes à FSSPX – entre eles o Pe. Navas, atual Superior do IBP na América Latina, como também o Pe. Geraldo Zendejas, entre outros – em meio à crescente tendência de seus confrades em “atribuir um poder de jurisdição paralelo aos Bispos da FSSPX”, deixaram a Fraternidade pouco tempo após a eleição de Mons. Fellay como Superior Geral. Com efeito, esses sacerdotes egressos redigiram estudos, apontando o caráter cismático dos “tribunais ‘de exceção’”, mesmo que o crivo adotado para avaliá-los fosse o Direito Canônico antigo (o de 1917), uma vez que os peritos neste Código nunca entenderam haver qualquer “suplência de jurisdição” para além da administração dos 7 Sacramentos...

Em suma: na FSSPX criou-se o “estado de necessidade” para esses casos sem se ter o de Direito, nem mesmo justificativa plausível, e o resultado estamos vendo a cada dia.

Agora mesmo é criada uma “paróquia”, não sei como e apoiado em que iota canônico, aqui na cidade de Campo Grande, para expansão do apostolado da FSSPX. Isso pode ser constatado no site deles, no qual se refere a presença do superior distrital da FSSPX mais o “Pároco” que cuidará da “nova capela”:

“No dia 07 de Agosto passado, recebemos a visita do rev. Pe. Christian Bouchacourt, Superior do Distrito Sulamericano da FSSPX, que veio conhecer a nova Capela tradicional em Campo Grande e falar do projeto de inovação e expansão do apostolado da Fraternidade na Cidade Morena. Estava acompanhado por nosso pároco, o rev. Pe. Daniel Maret, prior do Priorado Padre Anchieta, de São Paulo” (grifo e itálico nosso)

Ora, das duas, uma: ou empregaram o termo “Pároco” de forma equivocada (já que nem a FSSPX se refere oficialmente a seus “Priorados” e “Centros de Missa” como “Paróquias”), ou de fato a pretensa jurisdição da FSSPX chegou até nós, como uma super-jurisdição universal, capaz de criar Paróquias e Párocos ao bel prazer. Estamos diante de um cisma prático.

Era D. Lefebvre que prevenia a todos da FSSPX:

“Cuidado, cuidado, cuidado!... Não nos metamos em um círculo infernal do qual não saberemos como sair. Nesta atitude existe um verdadeiro perigo de cisma...”

E ainda, falava ele, em carta, aos padres do distrito da França:

“Parece-me que devemos ir sobretudo aonde se nos chama e não dar a impressão de que temos uma jurisdição universal, nem uma jurisdição sobre um país ou uma região. Seria basear nosso apostolado sobre uma base falsa e ilusória. Por isso, igualmente, se outros sacerdotes satisfazem normalmente às necessidades dos fiéis, não temos por que nos imiscuirmos em seu apostolado, mas sim nos alegrarmos de que haja outros sacerdotes católicos que se levantam para salvar as almas” (27/4/1987).

É verdade que, durante esses anos de profunda crise, a FSSPX teve um papel de grande importância. Mas não somente ela: Campos e outras comunidades, paróquias, sacerdotes diocesanos, associações de fiéis que, a seu modo, trabalharam contra o que foi chamado pelo próprio papa Paulo VI de “autodemolição da Igreja”. Mas é mais que verdade que a Igreja de Cristo, sendo a Igreja Católica Romana, tem na pessoa do Supremo Pastor o seu princípio e fundamento. De forma que, sem a comunhão com o Bispo de Roma e sem o seu beneplácito, não pode haver verdadeiro apostolado católico.

Rezemos por este encontro entre Mons. Fellay e as autoridades romanas, marcado para o dia da Exaltação da Santa Cruz, a fim de que aconteça tudo de acordo com o Coração Imaculado de Maria.

“Se o Papa me chama, eu vou, aliás eu corro. Isto é certo. Por obediência. Por filial respeito para com o chefe da Igreja” (D. Bernard Fellay, revista 30 dias, setembro de 2000).
 __________________

Matéria importada do Blog do Revmº Pe. Marcelo Tenório de Almeida

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Importante:

O seu comentário estará disponível logo após a aprovação do autor.
Obrigado.